O intervalo de normalidade que não inclui todos os normais

Eu juro que é melhor
Não ser um normal
Se eu posso pensar
Que Deus sou eu
(Mutantes)

Quero o essencial da vida
Quero ser normal em Curitiba
(Rita Lee)

Mas eu também sei ser careta
De perto ninguém é normal
(Caetano Veloso)

Definir o que é normal sempre envolve algum grau de controvérsia e a dificuldade se aplica também a problemas aparentemente objetivos como exames médicos complementares. Para interpretar um exame laboratorial contamos com os valores que acompanham o resultado, chamados de intervalo de normalidade ou valores de referência. Se o resultado estiver fora deste intervalo, ele é considerado ‘anormal’ indicando a necessidade de alguma intervenção. O problema é que para a maioria das substâncias existe uma área cinzenta, onde tanto pessoas normais como doentes apresentam resultados na mesma faixa. Nas figuras abaixo vamos ilustrar como o valor de referência funciona. Para isto, pessoas que foram previamente identificadas como saudáveis e doentes por meio de exames mais sofisticados vão ser submetidas a um exame laboratorial qualquer.

O intervalo de normalidade que não inclui todos os normais. Valor de referência. Medicina de Família e Comunidade. Ana Maria Sant'Ana.

Na figura acima o valor de referência é estabelecido pela seta preta, sendo que à direita da seta, no retângulo azul, estão representados todos os resultados alterados, e à sua esquerda da seta, no retângulo amarelo, estão representados todos os resultados normais. A condição de saúde das pessoas, por sua vez, é representada nos círculos, sendo que o círculo verde representa as pessoas saudáveis, e o círculo rosa representa as pessoas doentes.

Repare como uma parte das pessoas que são saudáveis apresentam resultados na faixa alterada e uma parte das pessoas doentes apresentam o resultado na faixa normal. O exame alterado numa pessoa saudável é um falso positivo e o exame normal na pessoa doente é um falso negativo.

O intervalo de normalidade que não inclui todos os normais. Valor de referência 2. Medicina de Família e Comunidade. Ana Maria Sant'Ana.

Nesta outra figura, movemos a seta preta para a direita, até o ponto em que os exames alterados não incluam mais o conjunto das pessoas normais. Desta forma, resolvemos a questão das pessoas saudáveis pois eliminamos todos os resultados falso-positivos. O problema é que se você prestar atenção no conjunto das pessoas doentes vai perceber que um número maior ficou no lado dos exames normais, e isso significa que aumentaram os casos de falso negativo!

O intervalo de normalidade que não inclui todos os normais. Valor de referência 3. Medicina de Família e Comunidade. Ana Maria Sant'Ana.

Para tentar fugir da situação anterior, podemos mover a seta preta do intervalo para a esquerda. Neste caso eliminamos qualquer exame falso negativo, mas em compensação o número de exames com resultado falso positivo aumentou.

À primeira vista pode parecer que estamos num beco sem saída: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Mas na verdade nem tudo está perdido à medida que aprendemos a tirar partido das característica de cada exame.

Primeiramente, é importante saber que o intervalo de referência para alguns exames bioquímicos costuma incluir 95% da população normal. Com isso 5% da população normal fica de fora deste intervalo, e a consequência prática é que há 5% de chance de um resultado falso-positivo numa pessoa saudável.

Por fim, um exame com pouca chance de falso negativo é confiável no caso de resultado normal (negativo), e exames com esta característica devem ser empregados sempre que é importante descartar uma doença. Um exame com pouca chance de falso positivo, por outro lado, é útil para confirmar uma doença. A mamografia, por suas características, é mais confiável quando o resultado é negativo, descartando câncer de mama. No caso de exame alterado, no entanto, é preciso confirmar este resultado lançando mão de outros exames, como a biópsia.

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